GEOGRAFIA AGRÁRIA

10. GEOGRAFIA AGRÁRIA

A geografia agrária é o ramo da ciência geográfica que estuda as diversas relações existentes (sociais, econômicas, ambientais) no desenvolvimento da agricultura. O surgimento desta atividade ocorreu há 11.000 e 8.000 anos atrás, a partir do momento em que os seres humanos passaram a domesticar plantas e animais úteis às suas necessidades, sendo que este fenômeno ocorreu em diversas áreas do planeta de forma independente.

Até então a sociedade apenas retirava da natureza aquilo que “naturalmente” estava disponível e por esta condição os seres humanos eram nômades. O nomadismo diminui com o avanço técnico e a descoberta da possibilidade de cultivo de plantas. Para Porto-Gonçalves (2001) a cultura é considerada por muitos como algo superior que consegue dominar a natureza. Desta forma, a agricultura foi mais um momento em que a sociedade conseguiu, mesmo que parcialmente, controlar e dominar a Natureza. É importante ressaltar que o desenvolvimento da agricultura e da pecuária não substitui as práticas extrativistas tais como a caça, pesca, dentre outras. (PORTO-GONÇALVES, 2006).

A agricultura, inicialmente, possuía duas funções básicas: o provimento de alimentação e de roupas para as populações (GEORGE,1991). A organização espacial foi alterada em diversas partes do planeta, pois o desenvolvimento desta atividade propiciou uma nova divisão do trabalho. Algumas pessoas faziam o cultivo e a colheita. Os excedentes gerados precisavam de segurança para não haver furtos, sendo assim outras pessoas se encarregavam desta função. Esta divisão e os excedentes gerados serviram de auxílio no surgimento das primeiras cidades.

Os excedentes também propiciaram a ocorrência de novas atividades, pois já não era necessário alocar um grande número de pessoas no trabalho direto da terra. Sendo assim, os seres humanos se ocuparam com outras funções como a tecelagem, artesanato, dentre outras e por isso, na divisão clássica da economia referentes às atividades sociais, a agricultura está inserida no setor primário da economia, pois é a que possui o contato direto com a terra e estimula o desenvolvimento de outras atividades.

Independente do modo de produção existente (capitalismo, feudalismo, socialismo, etc.) a agricultura é importante pois contribui para o desenvolvimento da espécie humana, sobretudo no que se refere à obtenção de energia. A agricultura abastece os alimentos para a sociedade (fornecendo, assim, energia para as pessoas através da alimentação), proporciona a produção de combustível que movimenta motores (energia proveniente dos agrocombustíveis), e através da produção de confecções, os insumos agrícolas auxiliam na dissipação ou não do calor, contribuindo, assim, no controle energético corpóreo.

O Espaço Agrário

É recorrente considerar o campo como o espaço do desenvolvimento da agricultura e o que ali é produzido abastece as cidades. O modo de vida produzido e reproduzido pelos habitantes do campo é chamado de rural, já a habitantes citadinos é chamado de urbano. A questão é que há uma interdependência de relações entre estes dois “espaços” que se complementam.

Se a você fosse perguntado hoje em qual destes dois espaços vive a maior parte da população mundial, qual seria a sua resposta? O quadro a seguir responde a este questionamento.

Distribuição da população mundial quanto ao local de habitação – 2001
Campo: 53%
Cidade: 47%
Fonte: ONU (2001)

Desta forma, é possível identificar que a população que reside no ambiente rural ainda é superior em quantidade quando se relaciona com ambiente urbano. Isto deve se alterar em breve e pode ser ocasionado, dentre outras coisas, pela introdução de técnicas mecânicas na produção e pela ausência de políticas agrárias em grande parte do mundo, provocando, assim, o êxodo rural.

Na agricultura há coexistência de grupos sociais distintos e antagônicos que propiciam uma organização espacial agrária  excludente e que se torna, por muitas vezes, funcional ao modo capitalista de produção. Para compreendermos estas relações, é necessário distinguirmos algumas características inseridas no ambiente de desenvolvimento da agricultura.

Para se estudar atributos desta atividade, é preciso entender a diferença entre os dois termos: agrário e agrícola. Uma análise da questão agrária se preocupa em compreender as características referentes às relações sociais de produção, tais como o acesso à terra (questão fundiária) as questões do trabalho no campo dentre outros. Já um estudo sobre a questão agrícola busca entender as situações econômico financeiras referentes à produção tais como: produtividade, preços, quantidade produzida, valor da produção dentre outras (Germani, 2010).

Para compreender o espaço agrário mundial, nacional, regional ou local necessitam-se recorrer a estas duas análises que propiciam entendimento integrado desta atividade

Sistemas Agrícolas

A distinção dos diferentes sistemas agrícolas existentes auxilia na compreensão das maneiras distintas de produção do espaço agrário. Podemos separar as atividades agrícolas em agricultura extensiva, praticada em grandes extensões de terras, com investimentos esparsos bem como pouca especialização de mão-de-obra e agricultura intensiva que é caracterizada por ser praticada em propriedades menores com elevada utilização de mão-de-obra ou forte introdução tecnológica.

Considerando esta diferenciação, é possível distinguir como funcionam os principais sistemas agrícolas, as plantations, a agricultura moderna, a agricultura familiar e a agricultura de jardinagem.

PLANTATION: Sistema remanescente da colonização europeia na América no século XVI, ou seja, precede o modo de produção capitalista, e é caracterizado pelo plantio de monoculturas tropicais em grandes extensões de terra, os chamados latifúndios, utilizando mão-de-obra barata (na época da colonização a mão-de-obra era escrava). No Brasil, a primeira plantation foi a de cana-de-açucar. Historicamente, é possível citar a distribuição do sistema plantation no mundo com alguns exemplos: tabaco (Sul dos Estados Unidos, século XVIII), Seringueira (Sudeste Asiático, século XIX), café (Nigéria século XIX).

Outra característica da plantation é a produção voltada para o mercado externo (exportação). Esta situação implica  na dependência econômico-financeira destes países que se reflete nas relações sociais no campo, enfraquecendo a autonomia das economias locais, situada em condições subalternas. O quadro a seguir mostra quais são os cultivos atualmente existentes neste tipo de sistema:

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AGRICULTURA FAMILIAR: Este prática consiste, sobretudo, na produção de insumos agrícolas ou pecuários direcionados para a alimentação (feijão, milho, hortaliças, dentre outras), porém também estão sendo cultivadas sementes oleaginosas que são dirigidas para a produção de agrocombustíveis. Também conhecida como agricultura de subsistência, o objetivo principal desta prática é a produção para o consumo familiar interno e o excedente é comercializado.

De acordo com a Lei 11.326/2006, é considerado agricultor familiar aquele que detém área inferior a quatro módulos fiscais, onde a mão-de-obra que executa as atividades é predominantemente de pessoas componentes da própria família e a renda familiar é obtida, prevalecendo os dividendos oriundos desta atividade econômica.

O sistema desenvolvido neste tipo de agricultura é o de roça ou itinerante, caracterizado pelo desmatamento de uma fração de terra por meio de queimadas na vegetação e, em seguida, ocorre o plantio. Esta prática propicia a queda da qualidade produtiva do solo, devido à perda de nutrientes provocados pelo mau uso. A reutilização da terra só ocorre quando ela recupera suas potencialidades.

O uso da técnica neste sistema é realizado através de instrumentos manuais e feito sem mecanização. Por isso a proporção do emprego de mão-de-obra e a área cultivada, neste tipo de prática, normalmente são superiores aos encontrados em extensas áreas com intensa mecanização.

A expressão espacial deste tipo de sistema é a roça que são porções de terras com pequena extensão na qual pequenos proprietários utilizam propriedades de terceiros ou terras devolutas. Os cultivos comuns nas roças são de: mandioca, feijão, milho.

De acordo com o censo agropecuário de 2006, realizado pelo IBGE, no Brasil, as propriedades classificadas como de agricultura familiar representam 84,4% do total dos estabelecimento rurais no país, porém ocupam 24,3 % da área das propriedades agropecuárias brasileiras, o que corresponde a, aproximadamente, 80,25 milhões de hectares.

A média de pessoas empregadas na agricultura familiar é de 15,3 pessoas a cada 100 hectares. Outra característica importante deste setor agrícola é que quase 75% da mão-de-obra no campo (MDA, 2009) é responsável pela segurança alimentar. O quadro a seguir evidencia esta afirmação.

Atuação da agricultura familiar no Brasil

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AGRICULTURA DE JARDINAGEM: Este tipo de agricultura é predominantemente desenvolvido no sudeste do continente asiático (Indonésia e Tailândia) e reúne um conjunto de técnicas de irrigação, adubação orgânica, dentre outras.

Este sistema de cultivo caracteriza-se por desenvolver a agricultura onde há escassez de terra para o plantio e um elevado contingente de mão-de-obra, fator que eleva também a produtividade. A importância do fenômeno das monções que com a precipitação inunda as planícies aluvionais e os vales fluviais do sudeste asiático favorecem o cultivo de arroz em associação com outras culturas (estas últimas nas estações menos úmidas).

Agronegócio

Há uma confusão conceitual na utilização do termo agronegócio. Afinal o que é Agronegócio? Qualquer relação comercial que envolve agricultores, independente do tamanho da propriedade, da quantidade produtiva ou da renda retirada desta atividade pode ser considerada agronegócio?

São necessárias algumas reflexões para responder a estes questionamentos. Os latifúndios são conduzidos estritamente por uma racionalidade econômico-mercantil de comercialização da produção e obtenção de lucros. Uma pequena propriedade se preocupa, inicialmente, no abastecimento próprio e, posteriormente, comercializa o excedente, ou seja, pode haver uma racionalidade econômico-mercantil entre os pequenos agricultores, porém esta não é a única já que a produção, para o seu próprio consumo, é a primeira condição para o desenvolvimento de sua atividade.

Desta forma, pode-se considerar que este modelo agrícola é caracterizado e diferenciado dos demais devido os seguintes fatores:

Utilização tecnológica intensa: O emprego de técnicas não está apenas relacionado a utilização de máquinas no campo como colheitadeiras, tratores de última geração. Está associado também a uma estreita vinculação comas inovações na área de biotecnologia, sobretudo com a difusão na produção dos organismos geneticamente modificados (OGMs) e dos organismos transgenicamente modificados (OTMs), além da propagação do uso de fertilizantes e dos chamados defensivos agrícolas (fungicidas, herbicidas, pesticidas e praguicidas) que defendem apenas os interesses monetários e, por outro lado, agridem o ambiente e a sociedade.

É importante considerar que o uso dos defensivos agrícolas é geograficamente desigual, porque, como afirma Gonçalves, há uma diminuição do emprego destes produtos em países da Europa, EUA e Canadá e uma elavação da utilização nos países da América Latina, África e Ásia.

Inserção de modelos gerenciais: A administração em áreas de cultivo voltadas para o Agronegócio é empresarial. A utilização intensa de recursos comuns do período técnico-científico-informacional é uma característica deste fator: informações em tempo real sobre a meteorologia, mercado financeiro, dentre outros, é de fundamental importância para o desenvolvimento deste modelo.

É de fundamental importância compreender que os agentes envolvidos no agronegócio se importam com elementos como produtividade, lucro e sua atuação é extremamente funcional à acumulação de capital de forma ampliada, ou seja, contribui para a reprodução do modo de produção capitalista.

A expressão mais comum do agronegócio são as cadeias produtivas que podem ocorrer com a articulação de diversos estabelecimentos desenvolvendo, assim, redes. A agroindústria é um exemplo do agronegócio. Caracteriza-se por conectar os três setores da divisão clássica da economia: primário (agricultura) secundário (indústria) e terciário (comércio e serviços).

Por muito tempo, os produtores apenas vendiam aquilo que cultivavam. No modelo agroindustrial, além de vender o que cultiva, esta matéria-prima também pode ser utilizada para ser processada em alguma fábrica da mesma empresa e, em seguida, é direcionada para a comercialização no atacado e no varejo.

Produção Agrícola Mundial

Como já foi ressaltado, o setor agrícola possui importância estratégica fundamental, já que seu principal destino é a  alimentação da sociedade. A lógica mercantil e a criação de novas necessidades contribuem para a oscilação dos preços, além da dependência de outros setores produtivos.

Por exemplo, o preço do petróleo interfere de forma mais intensa no preço dos alimentos, porque alguns insumos agrícolas são comercializados para a cadeia produtiva de combustíveis.

Com isso, este direcionamento visando a uma “segurança energética” contribui para a diminuição da segurança alimentar e, com isso, há elevação do fenômeno da fome no mundo.

Segundo a FAO – Food and Agriculture Organization (Organização das Nações Unidas para Agricultura e alimentação) – durante 8 meses consecutivos o preço dos alimentos aumentou no mundo (no período compreendido entre setembro de 2010 e abril de 2011). Este acontecimento foi impulsionado, dentre outros motivos, pelo aumento das commodities de alguns insumos, como os da cana-de-açúcar e do milho, além do aumento do preço do barril de petróleo. É importante lembrar que tanto a cana-de-açúcar quanto o milho são matéria-prima para a produção de etanol (álcool combustível).

Atualmente, de acordo com o Banco Mundial, as atividades agrícolas, pecuárias e extrativistas são responsáveis por apenas 5% das riquezas produzidas no mundo; mas o que é produzido pelo setor agrícola circula entre outros setores da economia, sendo importante para a geração de empregos, aumentando, assim, a circulação monetária na economia. Um dos órgãos que regulam a comercialização entre os países do que é produzido no setor agrícola é a OMC (Organização Mundial do Comércio) que deveria, dentre outras metas, diminuir as barreiras protecionistas, sobretudo dos países ricos. Estes objetivos normalmente não são alcançados o que mantém um relacionamento desigual entre os países, uns exercendo posições hegemônicas e outros sendo mantidos em condições subalternas.

O quadro a seguir exibe os principais produtores agrícolas do mundo bem como sua participação mundial nos respectivos cultivos.

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Através deste quadro, é possível observar que existem características comuns aos países que possuem posições destacada na produção agrícola de determinados cultivares. Dentre estas, pode-se enfatizar: a extensa disposição espacial de seus territórios; a tropicalidade que influencia na quantidade de incidência de raios solares e a disposição de água que contribui para uma produção elevada de biomassa.

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A Revolução Verde

Na década de 1950, mais de 70% da população habitava o ambiente rural. O contexto geo-histórico era de um mundo pós-guerra (a 2a grande Guerra mundial se encerrou na metade da década anterior) e o espectro da fome preocupava o mundo. Além disso, os discursos políticos ideológicos estavam bipolarizados após o surgimento da chamada Guerra Fria.

Uma revolução técnica e ideológica veio contrapor as reivindicações contra uma sociedade desigual e que resultava na sociedade em uma acessibilidade desigual aos alimentos. Chamada de Revolução Verde, este conjunto de técnicas e práticas discursivas com conteúdo políticoideológico prometeu resolver o problema da fome e conter o avanço do perigo vermelho (comunismo).

Este processo transformou as relações sociais não apenas no ambiente rural, pois se caracterizou pela implementação de novas técnicas na atividade realizada no campo.

Mecanização, desenvolvimento de pesquisas em sementes, fertilização do solo, emprego dos chamados defensivos agrícolas causaram sérios impactos nas relações sociedade-sociedade e sociedade-natureza.

Nas relações próprias da sociedade, a mecanização do campo expropriou pequenos agricultores de seus ambientes além do deslocamento da pessoas como mão-de-obra do campo para as cidades (êxodo rural) elevando a urbanização incipiente das cidades. A utilização dos praguicidas, herbicidas, fungicidas também causou e causa problemas a saúde das pessoas e ao ambiente contaminando rios, solos que refletiam na qualidade de vida da sociedade.

A ideologia disseminada com a Revolução Verde é que apenas com o desenvolvimento técnico e científico, o problema da fome e da miséria seriam resolvidos. O tempo já mostrou 60 anos depois que este problema não foi solucionado e que esta questão pode ser encarada como um problema social, político e cultural e que a técnica não pode ser considerada o único meio de superar este problema.

Algumas práticas foram desenvolvidas como crítica aos modelos que seguiam as características da Revolução Verde, dentre elas podem-se destacar a agricultura alternativa, a agricultura orgânica e a agroecologia que possuem métodos similares caracterizado pela não utilização dos componentes da agroquímica.

Transgênicos

Os organismos transgenicamente modificados (OTMs) também fazem parte de toda maneira habitual de proceder dos adeptos da Revolução Verde. A biotecnologia através da engenharia genética foi inserida nas atividades agrícolas para romper com as barreiras genéticas naturais.

Os transgênicos se caracterizam por ter seu código genético alterado em laboratórios inserido genes que atribuirão características que se pretende alcançar em uma determinada semente. Esses genes podem ser retirados de outras sementes, de vírus ou até bactéria, ou seja, cruzamentos que jamais aconteceriam de forma natural.

Estas transformações estão demonstrando serem danosas à sociedade e ao ambiente. Nos Estados Unidos, o milho transgênico Starlink da empresa Aventis havia sido aprovado apenas para utilização como ração animal pela Agência de Proteção Ambiental daquele país. Este milho foi encontrado em produtos consumidos pelas pessoas que apresentaram reações alérgicas e o que teria causado esta reação foi uma proteína inserida no gene da semente. (PORTO-GONÇALVES, 2006).

Outro problema na esfera ambiental é que os produtores de sementes transgênicas normalmente são os mesmos que  produzem os agroquímicos para combater as pragas que podem arruinar as plantações. Desta forma, solos e rios estão sendo contaminados, além dos agroquímicos se tornarem um fator de risco para a sociedade também.

Produção Agropecuária no Brasil

No Brasil, a produção agropecuária continua baseada majoritariamente na comercialização para o mercado externo. Nos estados do eixo Centro-Sul onde a industrialização  do campo é evidente, predominam as empresas modernas.

O Brasil apresenta diversas possibilidades agropecuárias pela abundância de biodiversidade proporcionada